O vento esgueira-se pelas janelas e faz balançar centenas de papéis alvos, uma trovoada seca ecoa no corredor, como uma revoada de gaivotas alcalinas que migram sem sair do lugar, balançam de lá para cá em um ballet sereno, sem pressa, sem tempo. Logo abaixo a passos arrastados caminha Kentian, munido de fitas, barbantes, um aparato de ferramentas arquitetadas como maquetes, o óculos deitado sobre o nariz e um olhar juvenil ainda visionário, quase ingênuo, atento no Aqui e no Agora.
O caminho curto da casa ao atelier se torna uma jornada para esse adolescente octogenário que não perde nenhum detalhe dos pequenos milagres da vida, das rachaduras das calçadas aos desenhos das nuvens no céu, tudo encanta o olhar de Kentian. Mas quem é Kentian?
Para quem já freqüentou o Ateliema Kenji Furuyama é o mestre deste espaço que há 5 anos abriga artistas independentes e cultiva algumas artes da tradição japonesa. Ao longo desses anos, depois de uma carreira dedicada ao maquetismo, Kentian enveredou-se pelas artes plásticas misturando técnicas para expressar o seu conceito do Aqui Agora, tema que persegue e que já apareceu em suas obras em duas exposições individuais no próprio Ateliema.
O tempo tem sido generoso com esse artista que segue sem pressa, seu olhar poético se reflete nas obras que, se de um lado fossilizam um momento particular, do outro não tem a pretensão do apego, na verdade prende para depois soltar e revelar o quanto efêmero tudo é e sempre será. Kentian olha atento aquele momento fugaz, mas essencial, em que o trapezista solta o bastão em direção ao outro, e nessa flutuação congela a magia de não se segurar em nada, o nada que é tudo.
Agora o tema volta em uma exposição com obras inéditas onde o público terá a oportunidade também de contemplar obras do artista japonês Hidekazu Mori com sua arte caracterizada pela caligrafia (SHODÔ) e por ilustrações de extrema sensibilidade.
O inusitado da exposição de Kentian é a maneira com que as suas obras podem ser arrematadas sob o conceito “pague o que achar justo”, uma forma despretenciosa de tornar acessível, e sensível, a aquisição de uma obra de arte.
A visita ao Ateliema por si só já é uma experiência de imersão a um oásis em meio ao caos, a oportunidade de observar de perto o artista e sua obra, tão estreitos, faz pausar o tempo, ver a vida com mais serenidade e exercitar a beleza da espera contemplativa tão rara nos nossos dias.